quinta-feira, 24 de abril de 2014

MALANDRAGEM, A CULTURA FORA DA MODA!



A CULTURA DA MALANDRAGEM
Na década de 60 houve o início de um processo social que poderíamos chamar de glamurização da malandragem, subentendida aqui no seu sentido atual da palavra (pejorativo como a lei de Gérson) - ao contráio da conotação chique que havia na época (moda, cultura alternativa etc). O uso de drogas foi adotado por uma geração hippie, como uma nova forma de cultura. Na música, sucessos como I've got you under my skin (Tenho você sob a minha pele), imortalizada na voz de Sinatra ou a Ópera do Malandro de Chico Buarque eram o auge.
Todos esses movimentos sociais, musicais travestiram a cultura da malandragem com uma embalagem de produto cultural da classe média alta. No Brasil, a ditadura militar, ao colocar presos políticos junto com criminosos comuns, permitiu que estes se organizassem e aprendessem táticas de guerrilha, formando o atual crime organizado. Hoje, com o desemprego e com o desnível sempre crescente entre os ricos e pobres, o tráfico de drogas assume o papel que a sociedade civil organizada (estado, polícia, mercado de trabalho) não cumpria mais: o traficante do morro passou a assistir a população local onde governo e empresariado - cada vez mais voltados para os interesses da classe média e alta - não atuam mais.
O estado de coisas que vemos hoje é esse onde o crime organizado, depois de fazer dos morros um território particular, passou a estender sua atuação nas redondezas, fechando o comércio, escolas, praticando terrorismo à luz do dia. Para corroborar com esse estado caótico de coisas, os meios de comunicação passaram a veicular seriados, filmes e todo o tipo de informação / entretenimento calcado na violência, com efeitos nefastos: o crime sendo veiculado na mídia 24 horas do dia passou a influenciar positivamente novas ações criminosas. O jovem do morro passou a ver marginais como ídolos dos seriados de TV, filmes, telejornais e programas de humor. A mídia, na ânsia de faturar com a audiência, passou a legitimar a violência com sua superexposição. Como Renato Russo brilhantemente escreveu em uma de suas músicas, o mal quando tratado com isenção, passa a ser mais atraente que o bem - a violência é tão fascinante / e nossas vidas tão banais.
Enquanto os meios de comunicação não pararem de endeusar o crime com filmes que glamurizam essa atividade (e não mostrando a realidade como ela é como eufemisticamente dizem fazer), enquanto não houver uma ação política do estado em coibir programas que denigrem os valorem sociais positivos (é fácil ligar a TV num canal de TV a cabo e ver filmes de teor pornográfico ou com diálogos chulos no mesmo horário dos desenhos animados), veremos a progressão da valorização do crime, da cultura da malandragem e outros valores nocivos a nós mesmos, em última análise.
Talvez esse estado de coisas tenha origem na própria explosão demográfica dos centros urbanos - a maioria dos problemas que temos é decorrente do excesso de concentração de pessoas. Isso gera o anonimato (moramos em prédios e não conhecemos nossos vizinhos) e a facilidade de se mudar de emprego ou convívio social igual ao controle remoto da TV. Quando a TV surgiu só havia um canal. Tínhamos de ser felizes com ele, pois não havia outros parâmetros. Os casamentos, por sua vez, eram mais ou menos assim também. Com o tempo, surgiram novas opções: novos canais, video, cinema, teatro, tv a cabo. Se você não está satisfeito com um canal, pode mudar via controle remoto ou inserir um DVD, ir ao teatro.
Isso tudo, na verdade, desvalorizou a TV - e todas as mídias - pois com variedade de opções, a TV sozinha perdeu seu valor. E isso não necessariamente aumentou a qualidade da TV aberta. Pelo contrário, a cada dia programas clones do Ratinho surgem, como que colaborando para a difusão da cultura da malandragem que citei linhas acima.
Nossas relações pessoais caminharam no mesmo sentido: o traficante vende drogas para estranhos, não vende para seus vizinhos com os quais convive e conhece. As pessoas passam a se relacionar com as outras como se fossem um chiclete, que, após perder o sabor inicial é jogado na lixeira. E compra-se outro, repetindo o ciclo.
Assim como a propaganda do governo diz que quem consome drogas financia o tráfico, deveria dizer que quem liga a TV para ver programas de baixo nível ou assiste a filmes de violência financia a desvalorização de nossas relações e de nossas vidas.
Não estou fazendo apologia do conservadorismo ou pregando que devemos voltar aos tempos de nossos avós ou negar o progresso da informática. Apenas pergunto por que tantas pessoas estão abandonando a vida nos grandes centros para morar no interior, fugindo do progresso e das facilidades que os grandes centros dispõem. É que os frutos podres desse progresso são o crime, o tráfico, a indiferença, a pobreza, o desemprego.
Isso nos faz concluir que se o modelo social atual não for repensado, sair de casa e pagar pedágio para chegar vivo no trabalho será algo tão normal quanto sair de casa e ficar preso no trânsito, em várias blitz realizadas pela polícia.
 WALLACE VIANNA
Designer, consultor e professor de WebDesign