
A CULTURA DA MALANDRAGEM
Na
década de 60 houve o início de um processo social que poderíamos chamar de
glamurização da malandragem, subentendida aqui no seu sentido atual da palavra
(pejorativo como a lei de Gérson) - ao contráio da conotação chique que havia
na época (moda, cultura alternativa etc). O uso de drogas foi adotado por uma
geração hippie, como uma nova forma de cultura. Na música, sucessos como I've
got you under my skin (Tenho você sob a minha pele), imortalizada na voz de
Sinatra ou a Ópera do Malandro de Chico Buarque eram o auge.
Todos
esses movimentos sociais, musicais travestiram a cultura da malandragem com uma
embalagem de produto cultural da classe média alta. No Brasil, a ditadura
militar, ao colocar presos políticos junto com criminosos comuns, permitiu que
estes se organizassem e aprendessem táticas de guerrilha, formando o atual
crime organizado. Hoje, com o desemprego e com o desnível sempre crescente
entre os ricos e pobres, o tráfico de drogas assume o papel que a sociedade civil
organizada (estado, polícia, mercado de trabalho) não cumpria mais: o
traficante do morro passou a assistir a população local onde governo e
empresariado - cada vez mais voltados para os interesses da classe média e alta
- não atuam mais.
O
estado de coisas que vemos hoje é esse onde o crime organizado, depois de fazer
dos morros um território particular, passou a estender sua atuação nas
redondezas, fechando o comércio, escolas, praticando terrorismo à luz do dia.
Para corroborar com esse estado caótico de coisas, os meios de comunicação
passaram a veicular seriados, filmes e todo o tipo de informação /
entretenimento calcado na violência, com efeitos nefastos: o crime sendo
veiculado na mídia 24 horas do dia passou a influenciar positivamente novas
ações criminosas. O jovem do morro passou a ver marginais como ídolos dos
seriados de TV, filmes, telejornais e programas de humor. A mídia, na ânsia de
faturar com a audiência, passou a legitimar a violência com sua superexposição.
Como Renato Russo brilhantemente escreveu em uma de suas músicas, o mal quando
tratado com isenção, passa a ser mais atraente que o bem - a violência é tão
fascinante / e nossas vidas tão banais.
Enquanto
os meios de comunicação não pararem de endeusar o crime com filmes que
glamurizam essa atividade (e não mostrando a realidade como ela é como
eufemisticamente dizem fazer), enquanto não houver uma ação política do estado
em coibir programas que denigrem os valorem sociais positivos (é fácil ligar a
TV num canal de TV a cabo e ver filmes de teor pornográfico ou com diálogos
chulos no mesmo horário dos desenhos animados), veremos a progressão da
valorização do crime, da cultura da malandragem e outros valores nocivos a nós
mesmos, em última análise.
Talvez
esse estado de coisas tenha origem na própria explosão demográfica dos centros
urbanos - a maioria dos problemas que temos é decorrente do excesso de
concentração de pessoas. Isso gera o anonimato (moramos em prédios e não
conhecemos nossos vizinhos) e a facilidade de se mudar de emprego ou convívio
social igual ao controle remoto da TV. Quando a TV surgiu só havia um canal.
Tínhamos de ser felizes com ele, pois não havia outros parâmetros. Os
casamentos, por sua vez, eram mais ou menos assim também. Com o tempo, surgiram
novas opções: novos canais, video, cinema, teatro, tv a cabo. Se você não está
satisfeito com um canal, pode mudar via controle remoto ou inserir um DVD, ir
ao teatro.
Isso
tudo, na verdade, desvalorizou a TV - e todas as mídias - pois com variedade de
opções, a TV sozinha perdeu seu valor. E isso não necessariamente aumentou a
qualidade da TV aberta. Pelo contrário, a cada dia programas clones do Ratinho
surgem, como que colaborando para a difusão da cultura da malandragem que citei
linhas acima.
Nossas
relações pessoais caminharam no mesmo sentido: o traficante vende drogas para
estranhos, não vende para seus vizinhos com os quais convive e conhece. As
pessoas passam a se relacionar com as outras como se fossem um chiclete, que,
após perder o sabor inicial é jogado na lixeira. E compra-se outro, repetindo o
ciclo.
Assim
como a propaganda do governo diz que quem consome drogas financia o tráfico,
deveria dizer que quem liga a TV para ver programas de baixo nível ou assiste a
filmes de violência financia a desvalorização de nossas relações e de nossas
vidas.
Não
estou fazendo apologia do conservadorismo ou pregando que devemos voltar aos
tempos de nossos avós ou negar o progresso da informática. Apenas pergunto por
que tantas pessoas estão abandonando a vida nos grandes centros para morar no
interior, fugindo do progresso e das facilidades que os grandes centros
dispõem. É que os frutos podres desse progresso são o crime, o tráfico, a
indiferença, a pobreza, o desemprego.
Isso
nos faz concluir que se o modelo social atual não for repensado, sair de casa e
pagar pedágio para chegar vivo no trabalho será algo tão normal quanto sair de
casa e ficar preso no trânsito, em várias blitz realizadas pela polícia.
WALLACE VIANNA
Designer, consultor e professor de
WebDesign